quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

O meu lugar...

Tu sabes que podes chamar um lugar de teu lar quando souberes que tens um porto seguro lá, fora amigos/família. Todos necessitamos um, cedo ou tarde. Teus amigos/familiares eventualmente não estarão ao teu lado por algum motivo, seja ele qual for – e não é culpa deles, eu tenho ótimos amigos aqui em Boston que eu sei que posso contar, que fique claro - , e é aí que precisarás do teu porto seguro. E não falo aqui de algo para ocupar tua mente, falo justamente do contrário: um um lugar para limpar, espraiar, esvaziar a mente. Um refúgio. Um lugar onde possas simplesmente sentar e deixar tua mente vagar até que estejas em paz com seja lá o que for que te perturba naquele momento.

No meu caso, acabo de descobrir que tal lugar é um mirante. Um local com uma vista ampla. Provavelmente porque tal local era meu porto seguro na casa em que morei deste minha infância, mesmo que nunca tenha me dado conta disto até agora. Meu quarto tinha uma janela com uma linda vista de parte da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Onde eu volta e meia sentava para olhar a cidade. Tenho inúmeras fotos desta janela. Todas com a mesma vista. Eu amo aquela vista. – Sempre estranhei porquê diabos eu volta e meia tirava foto daquela mesma vista? Me perguntava “o quê tem especial nesta vista? É a mesma vista que eu já vi um zilhão de vezes e que fotografei inúmeras vezes, então porquê raios tu estás tirando outra foto??” – Simples assim. Só sentado. Olhando. Espairecendo. Meus pais e meu irmão talvez lembrem disto agora que eu comentei. E minha mente simplesmente vagava até limpar-se, e eu então encontraria minha paz interior.

Eu tinha um outro lugar como este na minha cidade natal, no topo do pequeno morro onde minha casa ficava (e ainda fica). Aposto que apenas uma pessoa sabe que eu gostava de ir lá pra espairecer: meu irmão, Bruno Gomes. Até hoje, eu nunca tinha me dado conta do significado destes locais para mim: meus portos seguros. Mas hoje, quando eu recebi uma notícia muito triste, quando eu fui informado que minha esposa e meu filho não poderiam vir me visitar no natal por conta de problemas burocráticos com o visto, aonde eu fui? Para Peters Hill, no Arnold Arboretum, Roslindale. Um lugar com uma linda vista de Boston. Nem pensei duas vezes sobre o que eu deveria fazer, aonde ir. Eu fui pra casa, peguei minha câmera, peguei o Chimarrão e rumei para lá. Nada de bar, TV, rádio, videogame, cerveja ou whisky, nem mesmo um pagode. Apenas o Chimarrão e a vista. SÓ. Não precisava de nada além disto. Coincidência ou não, uma vista perto da minha casa aqui em Roslindale, região de Boston. Da mesma forma que eu tinha uma vista onde eu cresci. Eu nem sabia da existência deste lugar quando eu alugei esta casa. Mas amei-o desde o primeiro dia que visitamos, minha esposa, meu filho e eu. Eu nem me dei conta de que havia encontrado meu porto seguro aqui. Até hoje. Até que precisei dele. As fotos que seguem são deste lugar, tiradas hoje: 2013/12/19. Não posso dizer que estou feliz. Mas estou em paz. E viver é isto: ser capaz de estar em paz com os obstáculos que a vida te impõe ao longo do caminho.

Portanto, hoje eu posso dizer: contanto que eu tenha um mirante, estarei bem. Posso não estar o mais feliz possível ou tão feliz quanto gostaria, mas ficarei bem. Seguirei meu rumo até que a maré se ajeite novamente. Posso vir a descobrir outros portos seguros para mim em outras cidades que eu venha a viver. Mas já sei onde procurar primeiro.

Meu conselho para todos que lerem isto: conheçam a cidade onde estão morando, conheça diferentes lugares lá. Podes não saber que já encontraste teu porto seguro até necessitá-lo. Mas quando este dia chegar, é bom que saibas onde ele fica. Do contrário, as coisas podem ser bem mais difíceis.

sábado, 24 de agosto de 2013

Quando R$10mil mais moradia e alimentação não são suficientes

Texto publicado na Bate Papo Magazine, edição 81, sob o título "A questão dos Médicos Cubanos".

Há algo de muito errado com a classe médica brasileira. Assim como há muitos problemas no sistema de saúde brasileiro. Faltam mais e melhores estruturas para atendimento fora dos grandes centros urbanos, é inegável. Mas também faltam médicos. Uma rápida pesquisada e encontras exemplos de cidades, como Carlos Barbosa no interior do Rio Grande do Sul, segunda melhor no Brasil em distribuição de renda, onde há centro de atendimento de qualidade mas não há médicos. Recentemente houve oferta de 5 vagas e apenas um inscrito. Como Carlos Barbosa existem muitas cidades passando por situações semelhantes, onde há estrutura mas não há médicos. Segundo dados recentes, medicina é o curso superior com a menor taxa de desemprego, beirando a nulidade. O Dr. Drauzio Varella, famoso na população em geral pelas suas participações no programa Fantástico, da Rede Globo, publicou em seu site texto intitulado “O problema da má distribuição de médicos no Brasil”, com dados extremamente alarmantes sobre isto, mostrando a concentração extrema de médicos nos grandes centros urbanos. Quando olhamos os valores ofertados em programas de incentivo para a alocação destes profissionais em locais interioranos e para o número de inscritos em cada especialidade em programas de residência (dados de Pernambuco para o ano de 2013 mostram 17,7 candidatos por vaga em dermatologia, 11,8 para cirurgia plástica e meros 0,4 em medicina da família e comunidade) vemos que este discurso de que só não há médicos no interior por falta de estrutura não se sustenta. A realidade é que a carreira de medicina no Brasil é extremamente elitista e cercada de uma aura de glamour, preenchida por candidatos que, em boa parte, ingressou em busca do dinheiro e status, não por preocupação com a saúde da população (com exceções, logicamente).

Pensando em atacar este problema da falta de médicos no interior, a Governo Federal lançou o programa Mais Médicos, para contratação de profissionais brasileiros e estrangeiros, formados no Brasil e no exterior. Para tanto, oferecem 3 anos de bolsa de R$10 mil mais moradia e alimentação, estes dois últimos por conta do Município que receber o profissional. Para fins de comparação, uma bolsa de pós-doutorado, para pesquisadores que já possuem o título de Doutor, paga R$4400, sendo a bolsa para atrair pesquisadores Brasileiros de reconhecido destaque internacional e que estejam no exterior oferece entre R$4 mil e R$7 mil. Sendo que, nestas, moradia e alimentação é por conta do pesquisador. Olhando para estes números e para o salário médio de profissionais Brasileiros com o mesmo grau de escolaridade, é revoltante ver a classe médica dizer que este programa é “escravidão”. Medicina deveria ser o ponto máximo do humanismo, do senso de amor ao próximo, de dedicação ao bem estar alheio, mas não é isto que está transparecendo nas declarações dos Conselhos de Medicina. O presidente do CRM de Minas Gerais chegou ao ponto de fazer a seguinte declaração: “irei aconselhar meus médicos [de MG] a não socorrerem erros dos colegas cubanos”. E a preocupação com o paciente, onde fica? Qualquer pessoa tem o direito de ser contra o programa seja pelo motivo que for, mas não pode colocar o seu ego acima do bem estar do paciente. Até porque, embora não seja aplicado o Revalida (exame para validação do diploma de médicos formados no exterior), os médicos formados no exterior serão sim avaliados, inclusive com trabalho supervisionado.

Vale lembrar que a medicina Cubana, com muito menos recurso, é uma das melhores do Mundo, líder disparada na América Latina. Os índices de saúde da ilha são melhores do que muito países desenvolvidos, incluindo os EUA. Ora, se a saúde por lá é tão boa, com menos recurso, é porque a formação de seus profissionais deve ser boa, impossível ser diferente. Pra fechar, alguns dados sobre o SUS que nós Brasileiros nos esquecemos e reclamamos tanto (muitas vezes com razão). Mais de 80% dos tratamentos de câncer no Brasil são feitos pelo SUS, mesmo quando o paciente entra no sistema com plano de saúde privado. As filas na emergência para pacientes conveniados e SUS em muitos hospitais é semelhante, inclusive isto foi motivo de ação contra os convênios no ano passado. Em 2008 tive o prazer de participar do Congresso Mundial de Epidemiologia realizado em Porto Alegre, RS. Todos os palestrantes estrangeiros fizeram questão de elogiar o SUS, pois embora ainda possua déficit de leitos, é exemplo seguido e estudado no Mundo. Pense quanto gastas com saúde aqui nos EUA.

Pense no que seria de ti caso não tivesses nem plano de saúde nem dinheiro e precisasses de atendimento aqui. Já imaginaste ter que fazer tratamento pra câncer nos EUA sem gastar nada? O SUS faz isto no Brasil. Claro que o SUS precisa melhorar, e o programa Mais Médicos irá ajudar nisto. Mas precisamos, enquanto pacientes, parar de nos menosprezar e, enquanto médicos, parar de nos elitizar e segregar.

domingo, 23 de junho de 2013

Marcha Brasileira em Boston

Texto publicado na Bate Papo Magazine, edição 80.

23/06/2013 - Harvard Square, Cambridge/MA, EUA

Pronto, agora sou mais sou que foi pra rua e se decepcionou com o que viu... Fui lá depois de ter acompanhado uma troca de informações muito interessantes e produtivas sobre o movimento em Boston de apoio às manifestações Brasileiras - através do grupo criado no Facebook para divulgar a manifestação - e, chegando lá, no meio de cartazes interessantes com os pedidos já "clássicos" de "chega", "basta", também tinha muita coisa interessante com pontos específicos como reforma política, contra pec 37, contra a "cura gay", porém o grito mais forte era "fora Dilma" e até "fora comunistas". "FORA COMUNISTAS"?????? Triste. O povo teoricamente "não aguenta mais corrupção" mas pelo jeito ainda está muito longe de saber como mudar... Protesto de manchete. Muita frase de efeito mas pouco conteúdo e muita falta de informação. Não aguentamos, voltamos tristes. Ou alguém acha melhor ter o Temer ou o Calheiros como presidente? Pois é, saindo a Dilma, a cadeia sucessória é esta. Melhora ou piora? Se não gostas - e tens todo direito democrático de não gostar- espera 2014 e muda no voto que é melhor.

Não basta querer mudar, há de se saber como fazê-lo. E, para isto, há de se entender como funciona o sistema político Brasileiro. No nosso presidencialismo parlamentarista, o(a) Presidente não é imperador. Não é ele que decide tudo e todos, muito pelo contrário. Boa parte das decisões sobre o rumo do país são decididas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, cabendo ao(à) Presidente o veto parcial sobre eles, bem como edição de medidas provisórias e uma série de Leis específicas. PECs (proposta de emenda constitucional) por exemplo, não pode ser apresentada pela Presidência, embora muito tenha se visto pelos movimentos Brasil afora pedidos endereçados à Presidente Dilma que vetasse esta ou aquela PEC, poder que não lhe cabe. "Ah, mas ela pode fazer pressão".

Pode, mas não deve. Por quê? Na minha opinião justamente para que seja preservada a fundamental independência entre os poderes.

Enquanto pensarmos somente nos Prefeitos, Governadores e Presidentes, esquecendo que quem Legisla são os vereadores, deputados estaduais, federais e senadores, este quadro de infidelidade partidária, troca de favores, conchavos dos mais inacreditáveis, bancadas regidas sob a batuta de conglomerados econômicos (sejam eles de construtoras, madeireiras, agricultores/pecuaristas) ou até mesmo religiosos (que de uns tempos para cá tem apresentado mais e mais projetos que visam a tornar Lei certos princípios da sua religião, em detrimento da liberdade religiosa da nação, do princípio básico de respeito à religião alheia - ou até ausência dela - e da laicidade do Estado, fazendo com que toda a população seja obrigada a viver sob os mesmos dogmas particulares desta ou daquela religião), vai persistir.

O tão famoso "mensalão", por exemplo, escândalo super badalado e super dimensionado pelo principal veículo de mídia do país, não é invenção do governo atual. É prática recorrente para que o governo de momento possa ter uma base mínima que lhe "permita" aprovar um conjunto mínimo de projetos que considere fundamental para o plano de governo. É troca de favores do mais absurdo. Não estou querendo defender nem isentar o governo atual, apenas lembrar que isto é recorrente e consequência da "promiscuidade política" do legislativo (deputados e senadores), que trocam seus princípios(?) ideológicos por favores pessoais. Sem o qual, por mais absurdo que possa parecer, o governo não consiga aprovar sequer projetos que até a oposição acredita ser benéfica para a população/economia do país.

Quantas vezes já não se viu a oposição de ontem sendo contra um projeto do governo de hoje que ela mesma apresentou quando foi governo? E vice-versa, i.e., o governo de hoje tendo vetado proposta similar quando era oposição.

Ah, mas então o(a) Presidente não tem culpa de nada? Também tem, pois também tem suas responsabilidades, mas não pode ser o alvo isolado de um problema que vai muito além da Presidência, estando muito mais ligado ao Legislativo (Câmara e Senado) do que ao Executivo (Presidência).

O "Gigante Acordou"? Sinceramente? Não sei. Como aqueles slogans de sociedades de apoio, acredito que foi dado o primeiro passo: o "gigante" finalmente reconheceu que existe um problema que precisa ser corrigido. Mas me parece ainda estar longe dos passos seguintes que é identificar com clareza o problema e sua origem e, então, lidar com ele e valer-se dos mecanismos possíveis para solucioná-lo. Mas, ao menos, o primeiro passo foi dado.

Obs.1: cheguei com minha esposa e meu filho perto do horário marcado e não aguentamos ficar muito tempo, fomos embora antes das 16h porque chegamos a conclusão que não era o que imaginávamos e por não concordarmos com o rumo que estava tomando. Enfim, a manifestação, na prática, também não nos representava... Posteriormente ouvimos relatos que nos levaram a crer que depois das 16:30 chegou uma "segunda leva" de manifestantes que teoricamente tinham maior profundidade política, mas não posso atestar pois não estava presente.

Obs.2: fiquei curioso em saber quantos dos que lá gritavam "fora Rede Globo" assinam o pacote da Globo Internacional no seu serviço de TV...

Obs.3: também ficamos curiosos em saber quantos dos que ali estavam, teoricamente querendo melhorar o Brasil, estão dispostos a voltar para lá e tomar atitudes concretas para isto ou, como já escutamos, só voltarão "quando o Brasil mudar"? O Brasil que queremos, cabe a nós construirmos. E o Brasil está mudando, mas precisa mudar mais, e precisa de todos para isto. Não que não possam não querer voltar ou que não possam querer que o país melhore sem tomar parte neste processo, mas é de se pensar, ou não?