sábado, 24 de agosto de 2013

Quando R$10mil mais moradia e alimentação não são suficientes

Texto publicado na Bate Papo Magazine, edição 81, sob o título "A questão dos Médicos Cubanos".

Há algo de muito errado com a classe médica brasileira. Assim como há muitos problemas no sistema de saúde brasileiro. Faltam mais e melhores estruturas para atendimento fora dos grandes centros urbanos, é inegável. Mas também faltam médicos. Uma rápida pesquisada e encontras exemplos de cidades, como Carlos Barbosa no interior do Rio Grande do Sul, segunda melhor no Brasil em distribuição de renda, onde há centro de atendimento de qualidade mas não há médicos. Recentemente houve oferta de 5 vagas e apenas um inscrito. Como Carlos Barbosa existem muitas cidades passando por situações semelhantes, onde há estrutura mas não há médicos. Segundo dados recentes, medicina é o curso superior com a menor taxa de desemprego, beirando a nulidade. O Dr. Drauzio Varella, famoso na população em geral pelas suas participações no programa Fantástico, da Rede Globo, publicou em seu site texto intitulado “O problema da má distribuição de médicos no Brasil”, com dados extremamente alarmantes sobre isto, mostrando a concentração extrema de médicos nos grandes centros urbanos. Quando olhamos os valores ofertados em programas de incentivo para a alocação destes profissionais em locais interioranos e para o número de inscritos em cada especialidade em programas de residência (dados de Pernambuco para o ano de 2013 mostram 17,7 candidatos por vaga em dermatologia, 11,8 para cirurgia plástica e meros 0,4 em medicina da família e comunidade) vemos que este discurso de que só não há médicos no interior por falta de estrutura não se sustenta. A realidade é que a carreira de medicina no Brasil é extremamente elitista e cercada de uma aura de glamour, preenchida por candidatos que, em boa parte, ingressou em busca do dinheiro e status, não por preocupação com a saúde da população (com exceções, logicamente).

Pensando em atacar este problema da falta de médicos no interior, a Governo Federal lançou o programa Mais Médicos, para contratação de profissionais brasileiros e estrangeiros, formados no Brasil e no exterior. Para tanto, oferecem 3 anos de bolsa de R$10 mil mais moradia e alimentação, estes dois últimos por conta do Município que receber o profissional. Para fins de comparação, uma bolsa de pós-doutorado, para pesquisadores que já possuem o título de Doutor, paga R$4400, sendo a bolsa para atrair pesquisadores Brasileiros de reconhecido destaque internacional e que estejam no exterior oferece entre R$4 mil e R$7 mil. Sendo que, nestas, moradia e alimentação é por conta do pesquisador. Olhando para estes números e para o salário médio de profissionais Brasileiros com o mesmo grau de escolaridade, é revoltante ver a classe médica dizer que este programa é “escravidão”. Medicina deveria ser o ponto máximo do humanismo, do senso de amor ao próximo, de dedicação ao bem estar alheio, mas não é isto que está transparecendo nas declarações dos Conselhos de Medicina. O presidente do CRM de Minas Gerais chegou ao ponto de fazer a seguinte declaração: “irei aconselhar meus médicos [de MG] a não socorrerem erros dos colegas cubanos”. E a preocupação com o paciente, onde fica? Qualquer pessoa tem o direito de ser contra o programa seja pelo motivo que for, mas não pode colocar o seu ego acima do bem estar do paciente. Até porque, embora não seja aplicado o Revalida (exame para validação do diploma de médicos formados no exterior), os médicos formados no exterior serão sim avaliados, inclusive com trabalho supervisionado.

Vale lembrar que a medicina Cubana, com muito menos recurso, é uma das melhores do Mundo, líder disparada na América Latina. Os índices de saúde da ilha são melhores do que muito países desenvolvidos, incluindo os EUA. Ora, se a saúde por lá é tão boa, com menos recurso, é porque a formação de seus profissionais deve ser boa, impossível ser diferente. Pra fechar, alguns dados sobre o SUS que nós Brasileiros nos esquecemos e reclamamos tanto (muitas vezes com razão). Mais de 80% dos tratamentos de câncer no Brasil são feitos pelo SUS, mesmo quando o paciente entra no sistema com plano de saúde privado. As filas na emergência para pacientes conveniados e SUS em muitos hospitais é semelhante, inclusive isto foi motivo de ação contra os convênios no ano passado. Em 2008 tive o prazer de participar do Congresso Mundial de Epidemiologia realizado em Porto Alegre, RS. Todos os palestrantes estrangeiros fizeram questão de elogiar o SUS, pois embora ainda possua déficit de leitos, é exemplo seguido e estudado no Mundo. Pense quanto gastas com saúde aqui nos EUA.

Pense no que seria de ti caso não tivesses nem plano de saúde nem dinheiro e precisasses de atendimento aqui. Já imaginaste ter que fazer tratamento pra câncer nos EUA sem gastar nada? O SUS faz isto no Brasil. Claro que o SUS precisa melhorar, e o programa Mais Médicos irá ajudar nisto. Mas precisamos, enquanto pacientes, parar de nos menosprezar e, enquanto médicos, parar de nos elitizar e segregar.